segunda-feira, 26 de outubro de 2015

ENEM, um instrumento

Com a polêmica do marxismo cultural no exame do ENEM deste ano, lembrei de um vídeo da Marilena Chauí cujo trecho vale a pena postar aqui. Confira, entre 8:35 e 9:58 min, o que ela fala do ENEM, do vestibular e do sistema educacional brasileiro. Abaixo deixo a transcrição:



Transcrição:
"Que que significa o ENEM no longo prazo? No longo prazo o  ENEM significa o fim da indústria do vestibular. E ao acabar com a indústria do vestibular, significa forçar a reestruturação dos chamados grandes colégios, esses que têm franquia no Brasil inteiro e que não fazem outra coisa senão preparar os alunos através de um tampa-olho, preparar os alunos só pra o vestibular, só para o vestibular. E quando o ENEM funcionar a todo vapor, com todas as possibilidades para as quais ele foi criado, fizer a desmontagem do sistema do vestibular, fará junto com ele a desmontagem do sistema privado do ensino médio. Então é gigantesco isso. Portanto, uma mudança estrutural na educação brasileira está a caminho. E isso precisa ser levado em conta."

Então o ENEM, além de ser uma forma de testar e estimular a lavagem cerebral dos nossos jovens, também serve à desmontagem do sistema privado do ensino médio... que mais, será?

11 comentários:

  1. Você fez Federal. Eu fiz Estadual. Somos frutos da gratuidade da educação superior. Mas só consegui entrar no Estadual (USP) porque meu pai tinha dinheiro para pagar cursinho. O cursinho era a forma pela qual remediados de um mau sistema educacional conseguiam COMPETIR com quem nunca teve problema em PAGAR um bom ensino. Isso não foi suficiente, porém, porque quem tem dinheiro sempre PODE pagar mais por aquilo que ELE quer. ESTIMO que SÓ consegui passar no vestibular, porém, porque meus valores primordiais foram me fornecidos pelo sistema PRIVADO de ALTÍSSIMO NÍVEL do Chile, que me inculcou a disciplina, o rigor e a busca racional de resolução dos problemas. Meus pais SÓ conseguiram me proporcionar AQUELE tipo de educação porque tinham origens que valorizavam esse tipo de formação e dinheiro para pagar (antes do golpe). Não sei que secundário, primário ou kindergarten você fez, mas se fez ensino PRIVADO com certeza parte de seus valores foram proporcionados por ele, e seu rigor - que não é pouco - tem algo a ver com isso. Porém, se fez Federal é porque DE ALGUMA FORMA teve condições de competir com os privilegiados do ensino privado e reservar seu lugar na fila. O Enem, ao que parece, visa universalizar a tal ponto a meritocracia no ensino, em qualquer nível, que busca, portanto, acabar com essa medida enorme de desproporção de DESIGUALDADE de condições para oferecer ensino superior a quem quer. (Que mais, será? parece que não tem vírgula)

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  2. A maneira de universalizar isso é que é questionável. Não temos muitos elementos para entender todos esse processo, pois ela não explicou. A postagem questiona o uso do Enem como instrumento criado para a realização de possibilidades (destacado em vermelho na transcrição da postagem). Ela deixa claro que há mais de uma, quando usa o termo "todas". Só está claro que uma delas é a desmontagem do ensino privado. Sobre isso, comento:

    A desmontagem do ensino privado creio que ocorre no campo do conteúdo. É um processo que parece ocorrer como uma forma de moldar as aulas dadas no ensino privado ao modo como os assuntos são abordados no ENEM (pois se o ensino se distanciar dessa abordagem, os alunos deverão ir mal nesse exame). Assim, o ensino nas escolas particulares se submete às diretrizes dadas pelo MEC, expressas nas provas do ENEM. Pensando no ENEM 2015, o recado está dado: os professores devem desenvolver temas ligados ao feminismo e assuntos semelhantes, provavelmente é o que podemos esperar nos próximos exames. (Por acaso não seria uma forma implícita de impor aos nossos jovens a agenda do marxismo cultural?)

    O ENEM também tira das universidades a diretriz de abordagem dos estudos, que era dada pelos testes do vestibular. O Governo passou a deter a definição dos temas e a forma como eles são cobrados. Portanto, em nome de uma "boa" causa (=a ampliação de oportunidades de acesso ao ensino superior pelos mais pobres), o MEC toma das universidades o controle sobre a definição dos planos e abordagens de estudo nas escolas particulares e públicas. É mais centralização e mais poder aos parasitas do poder.
    (continua)

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    1. Raquel, vamos lá.
      Primeiro, você percebe que ela aborda claramente o tapa-olho que as grandes redes de ensino teriam feito estes anos todos focando os estudantes a competirem para o vestibular. Isso, a meu ver, é o ponto principal do seu (dela) discurso. Isso que você menciona como POSSIBILIDADES é, nesse sentido, menor. Mas claro, você pode enxergar nisso qualquer conspiração.
      Daí você diz que a desmontagem do ensino privado ocorreria no campo do conteúdo, pelo que você crê (claro que o teu foco é, como sempre, a questão do marxismo cultural). Primeiro, todas as universidades, públicas ou privadas, e todo o sistema educacional brasileiro sempre se submeteram às diretrizes fornecidas pelo MEC. Em seguida, você questiona temas ligados ao feminismo, etc. Veja, para isto você teria de ler a literatura brasileira e mundial que se refere a esse tema, e a outros. Claro, esses temas devem ser contemplados pela grade temática orientada pelo MEC. Eu posso até discordar dessa grade temática, mas para isso seria necessário estuda-la, correto? Quais são os argumentos contrários a ela? Bom, como já conversamos extensivamente, todos esses temas ligados a MINORIAS (ideologicamente falando) derivam do normativismo filosófico e político.
      Quem disse que o Enem retira algo das universidades (a diretriz de abordagem)? Ele simplesmente retira do âmbito exclusivo delas a possibilidade de um aluno nelas entrar. Claro, isso retira o pluralismo de ensino? Acredito que nisso você deva ter parcela da razão. Mas, vem cá, todo ensino deve seguir as normas do MEC, isso sempre aconteceu. Quanto aos parasitas, recuso-me a ir nessa direção.

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    2. Eu sei que sempre se submeteram às diretrizes do MEC, em um âmbito maior. Vc parece partir do pressuposto de que não sei desse detalhe e parece que por isso já nem tenta entender o que eu posso estar querendo dizer. Como quem joga a peça do quebra-cabeças fora. Achei que estava claro, mas explico… quero dizer que na prática, no estilo de prova que as Universidades aplicavam, na escolha da maneira de cobrar as questões, no conteúdo escolhido, não era o MEC. Tanto que a prova e o sistema todo da FUVEST era muito diferente do vestibular da UFPR, por exemplo. A UFPR, pra começar, era em uma fase só e a FUVEST era em duas. É desse tipo de liberdade e diferença que eu falo, entende? A centralização está na elaboração das provas, e são as provas que orientam as escolas. E é claro que o ensino privado é focado em colocar o estudante na universidade pública. O que cai no vestibular (e agora no ENEM) é o que define a forma e o conteúdo das aulas que são dadas anos antes. Daí que falo que a desmontagem do ensino privado deve se dar pelo conteúdo, pois se o conteúdo (conhecimento) passa a ser menos cobrado que a competência, pagar pelo ensino passa a não ser tão importante. Isso poderia afetar a "indústria do vestibular". Mas isso é uma conjectura, pode ser que não seja nada disso. E se não for, não entendi o que ela quis dizer com desmontagem do ensino privado.
      O que eu digo com "possibilidades" não pode ser algo menor, pois é o tema da postagem. O ENEM foi criado como um instrumento para a realização de possibilidades, foi o que a Chauí disse. E é só uma observação, pode ser que não signifique nada, mas o tema da redação deste ano dá um sentido diferente a isso.

      VC comenta: "você questiona temas ligados ao feminismo, etc. Veja, para isto você teria de ler a literatura brasileira e mundial que se refere a esse tema, e a outros. Claro, esses temas devem ser contemplados pela grade temática orientada pelo MEC. Eu posso até discordar dessa grade temática, mas para isso seria necessário estuda-la, correto?"

      Claro que não. Seria necessário recorrer à literatura se eu fosse criticar o assunto em seu conteúdo, mas como a crítica diz respeito apenas à escolha do tema, não preciso conhecer o tema a fundo. É até necessário conhecer a importância do assunto criticado, ter uma noção das circunstâncias, mas isso já é evidente, preciso recorrer à literatura para perceber? Não importa aqui discutir os argumentos contrários ao conteúdo do tema proposto mas sim os argumentos contrários à escolha do tema proposto.
      Não conversamos nada extensivamente nem brevemente e vc parece não estar muito a par das críticas a respeito, então posto alguns links aqui.

      http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/especialistas-se-dividem-sobre-doutrinacao-em-prova-do-enem-17909168

      http://www.escolasempartido.org/vestibular-categoria/564-o-boi-de-piranha-do-enem

      http://lucianoayan.com/2013/11/05/luiz-felipe-ponde-deixa-a-doutrinacao-marxista-escolar-nua/

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  3. O que poucos sabem é que o ENEM aplica provas de competência; já os vestibulares sempre aplicaram provas de conhecimento (mas as provas mudaram, creio que já acompanham as do ENEM). Uma prova de competência é mais inclusiva porque testa habilidades que partem do indivíduo, em que ele pode ter bom desempenho sendo pobre ou rico. Já a prova de conhecimentos testa o quanto o estudante conhece a matéria; se teve um estudo mais rígido ou de melhor qualidade, ou se tem uma memória melhor ou maior capacidade cerebral, ou se foi mais dedicado, saberá mais coisas e irá melhor que o concorrente menos preparado. Nesse tipo de prova, o privilégio faz diferença. Sendo assim, do ponto de vista da desigualdade de oportunidades, o ENEM contribui para que os estudantes mais desfavorecidos tenham maiores chances de acesso ao ensino público superior. Se o ponto fosse só esse, ok, seria ótimo. Mas devemos discutir também se isso é bom para a sociedade. O problema é que talvez esse sistema de avaliação não esteja selecionando alunos com conhecimento suficiente ou habilidade de adquirir conhecimento suficiente para o que algumas profissões exigem. Que tipo de médicos, advogados e engenheiros serão formados nas Universidades, tendo sido selecionados a partir desse sistema de avaliação? Algumas profissões não exigem tanta capacidade de acúmulo de conhecimento, mas outras exigem. Hoje, em muitas universidades, na graduação, o formato de avaliação é baseado em seminários e monografias (justamente porque de outra forma os alunos de hoje teriam mais dificuldades em se formar). O sistema estimula cada vez menos o processo de abstração e armazenamento de conhecimento. Não seria importante que desde pequenos os nossos alunos fossem mais estimulados a memorizar informações (habilidade estimulada nas hoje obsoletas provas de conhecimento) e dedicar mais tempo aos exercícios de matemática? É que os testes cobrassem habilidades referentes ao aprendizado adquirido com esses exercícios? Se esse estímulo é desprezado desde a infância, a atuação futura dos jovens estudantes poderá ser mais limitada em determinadas habilidades, como a memória, especialmente importante em certas profissões, como a medicina. Então fica a pergunta: será que a qualidade dos futuros profissionais tende a piorar em consequência do tipo de exame que é aplicado hoje pelo ENEM? Sendo assim, novamente toco na mesma crítica: o Governo estaria privilegiando o individual acima do coletivo, aquela velha incongruência que já comentei por aqui. Um Governo de ideologia coletivista prejudicando a sociedade por adotar uma diretriz individualista (note que individualismo não tem nada a ver com egoísmo ou ego).
    (continua)

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  4. Por fim, pergunto: não é muita burrice do Governo LIMITAR-SE a se preocupar obsessivamente com o acesso dos desfavorecidos ao ensino superior e esquecer que o mercado de trabalho precisa de bons profissionais? O mercado de trabalho E NÓS, afinal, ninguém quer ser vítima de erro médico ou perder um processo judicial porque o advogado desconhecia um detalhe da lei.

    Por coincidência, ontem saiu uma matéria no Estadão sobre o assunto, então veja isso…:
    http://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2015/11/01/maioria-dos-adultos-nao-sabem-matematica-basica-no-brasil-aponta-pesquisa.htm?cmpid=fb-uolnot

    E isso:
    http://www.lbd.dcc.ufmg.br/colecoes/wei/2011/005.pdf

    "1. Introdução
    A cada novo ano, a cada nova turma, o nível dos alunos queadvém do ensino médio é mais e mais preocupante. A maioria chega ao nível universitário sem uma base adequada nas disciplinas de Português e Matemática. Não é incomum encontrarmos alunos com sérias dificuldades na interpretação de textos e na resolução de equações matemáticas. Por ser a disciplina de algoritmos o primeiro contado do aluno ingressante com o mundo da computação, em termos acadêmicos, caso exista algum problema de entendimento ou absorção de tal conteúdo, na maioria dos casos ocorre uma desmotivação por parte dos estudantes, fazendo-os pensar em desistir ou mudar de curso. O que se observa, de forma geral, é que o aluno ingressante em cursos superiores da área de computação e informática e que não possui ou não consegue desenvolver a competência de abstração de problemas, não consegue um bom desempenho em disciplinas iniciais do curso, tais como algoritmos, cálculo, álgebra entre outras. Desmotivado, a maioria dos alunos nessa situação escolhe dois possíveis caminhos: evadir do curso (e da instituição) ou mudar de curso."

    O estudo acima discute estratégias de desenvolvimento da capacidade de abstração em alunos de computação e informática. Veja que absurdo, pois os alunos já deveriam ingressar no ensino superior com essa capacidade! Veja que perda de tempo, tanto para quem precisa estudar uma maneira de resolver esse problema como para os professores que irão aplicar essa resolução e os alunos que deveriam estar avançando nas matérias do ensino superior. Deveriam todos estar se dedicando a outras coisas mais produtivas. Abstração se aprende fazendo exercícios de física, química, matemática, lendo e escrevendo. Coisas que fizemos bastante quando nos preparávamos para o VESTIBULAR, que antigamente era rigoroso e exigia que decorássemos fórmulas mil. Eu sabia todas as fórmulas de Física de cabeça. Hoje nossos estudantes não precisam mais nem decorar a tabuada. E agora os professores universitários precisam ensinar o be-a-bá da abstração aos "marmanjos" para que consigam levar o curso adiante sem se sentirem desmotivados. É ridículo. Isso se chama idiotização. Lamentável!

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  5. Argumentos muito bons. Mas exigem discussão intensiva. Logo devo conseguir arrumar tempo para responder. Sofra!

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  6. Ah, já comecei a sofrer, anda logo aí.

    Ah, inclua um fator na(s) resposta(s): não defendo o favorecimento aos privilegiados, o que critico é o nivelamento por baixo que parece estar havendo. Penso que o estudo dos não privilegiados é que deve melhorar, para que possam competir com os alunos do ensino privado, e não o contrário. E meu comentário é mais um questionamento: as provas de competência do ENEM selecionam alunos potencialmente piores em certas habilidades (necessárias a algumas profissões) que os estudantes selecionados nas antigas provas de conhecimento dos vestibulares?

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    Mas a liberdade é irrestrita a todos os que queiram respeitar as normas deste espaço.
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  8. Regra 1 do IFU4U2:

    A privacidade da dona do blog é sagrada :)

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