sábado, 23 de setembro de 2017

Um exemplo de análise do pensar

Se alguém me perguntasse qual a questão mais importante deste mundo, entre as questões ligadas à área do pensar, à qual todos deveriam dar valor e atenção especial, eu diria que são as questões da interpretação de textos/falas/pensamentos, incluindo nisso a lógica e a capacidade de compreensão da linguagem. Por isso, sempre que vejo discussões ligadas a esse assunto, em que uma pessoa inteligente demonstra os pontos em que o outro erra na sua forma de pensar, eu paro e leio. É o tipo de coisa que tem potencial para trazer ensino profundo e aplicável em todas as esferas da vida. Coisas que se aplicadas no dia-a-dia economizam muitas brigas e desentendimentos. Como eu lamento que as pessoas em geral não dêem atenção a isso, preferindo se apegar a inflexibilidades mentais burras e estúpidas, formas invariadas de ver as coisas, repletas de estupidez ampla e irrestrita, simplesmente por não reparar nessa questão e por isso não ampliar os ângulos pelos quais um mesmo pensamento pode ser visto. Hoje eu topei com um texto postado no grupo Contra os Acadêmicos e achei muito bom. Não pelo assunto que originou a discussão mas pela análise feita. Uma análisa que uma pessoa inteligente deveria saber observar e transportar para a vida real, para aplicar a vários assuntos. O texto é de uma observação que Olavo de Carvalho faz a respeito da forma como Orlando Fedelli analisa uma determinada questão (que a mim  não interessa aqui, pois meu foco é o raciocínio). Olavo mostra como ele pensa e em seguida explica que não é assim que se faz. Para quem souber transportar esse exercício para a análise de outros assuntos, em sua própria vida, as palavras abaixo trazem um ensinamento interessante. Eis o texto:

"COF 27: Sobre as acusações ao Olavo de ser gnóstico

"Outro dia alguém me mandou a gravação do Orlando Fedelli dizendo que eu sou um perigoso gnóstico etc. Pensei: “Meu Deus do céu, lá vem ele de novo!” Mas é muito simples compreender por que ele pensa assim. O que é o senhor Orlando Fedelli? Ele é um pregador, um transmissor da doutrina da Igreja, que é constituída das conclusões de longos debates procedidos nos concílios entre os grandes teólogos, santos, padres da igreja etc. Com o desencadeamento daquelas conclusões obteve-se a doutrina da Igreja, a qual, portanto, é feita todinha de conclusões. No livro Inquiridium, do Denziger, que é o resumo da doutrina católica, há milhares de conclusões: número 1, 2, 3, 4... Você não tem a menor ideia donde saiu aquilo e o rolo que foi para chegar a essas conclusões. Agora, se o Denziger não desse a doutrina católica, mas fosse contar a história de todas as discussões, então, meu filho, ele teria de pegar toda a patrística grega, latina, todas as obra de São Tomás de Aquino, Santa Teresa etc., e encadear tudo, o que daria uns cem mil volumes. Por isso, a doutrina da Igreja está só nas conclusões dessas discussões. O Fedelli é um cara que treinou para ensinar essa doutrina da Igreja e o faz muito bem, tem altos méritos nisso e eu jamais falaria mal dele por causa disso. Acho que é um católico sincero que está ensinando a doutrina da Igreja, mas o problema é que ele não tem capacidade para perceber a problemática filosófica da coisa; não pode perceber, pois está acostumado a raciocinar dentro do certo. Mas eu estou acostumado a transitar entre milhões de coisas que são duvidosas, nebulosas, e cujas conclusões eu não sei; esse é o meu treinamento. Como nós vamos lidar com coisas que não sabemos, isso é a filosofia. Por isso, quando o Fedelli se mete a ler textos filosóficos faz uma confusão dos diabos, porque ele interpreta cada frase como se fosse uma conclusão.

Imagine o seguinte: um cara que não conhecesse e fosse ler a Suma Teológica, na qual São Tomás de Aquino levanta uma pergunta e uma hipótese. Por exemplo: Jesus Cristo ressuscitou? Hipótese: parece que não, porque tem isto e mais aquilo; daí São Tomás explica e argumenta em favor de todas as coisas que são contra a hipótese da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, fazendo depois o mesmo em favor dessa hipótese. Portanto, é uma leitura que deve ser feita aos poucos, linha por linha, e não o capítulo inteiro de uma vez. Só que esse cara não faz isso, faz como o Fedelli, pega um parágrafo lá do meio e diz: “Olhe aqui! São Tomás de Aquino está negando que Jesus Cristo ressuscitou!” Não, meu filho! Ele está no processo dialético da descoberta do negócio. Cada capítulo da Suma Teológica já é suficientemente complicado em si mesmo e o processo real pelo qual se chegou a isso foi muito mais complicado. Portanto, se você não tem o equipamento intelectual e humano necessário para lidar com todas essas ambigüidades e dificuldades do processo dialético, é melhor não se meter em questões filosóficas, afinal, ninguém é obrigado a ser filósofo.

Mas o que vai fazer o doutrinário, o pregador, o apologeta da religião, como o Fedelli? Vai ler o texto e verificar se está de acordo com a doutrina da Igreja ou não: se está, ele aprova; se não está, ele desaprova. É até bom que alguém faça isso para avisar as pessoas, como, por exemplo, o Fedelli fez com o René Guénon. Ele leu, disse que estava errado, que era gnóstico e, portanto, o condenou. Ótimo, mas o problema é o seguinte: como lidar filosoficamente com essas questões? Eu tenho de fazer minhas as hipóteses do Guenon, mesmo que ele esteja errado; eu tenho de verificar o fundamento da possibilidade do erro. Ou seja, eu tenho de dizer por que ele chegou ao erro, não basta simplesmente dizer que está errado. O Orlando Fedelli é como um médico que ao atender o paciente lhe diz que está doente. Ora, mas isso o doente já sabe, é por isso que ele foi ao médico! O que ele quer saber é o que precisamente está acontecendo com ele.

O processo de investigação filosófica implica uma série de meandros dialéticos, coisas dificílimas, no qual você está fazendo a abstração da questão do certo e errado finais. Está simplesmente acompanhando a experiência intelectual ou espiritual do outro e vendo todos os meandros dela. O Fedelli não tem essa capacidade, não estudou para fazer isso. Não tenho nada contra o que ele faz, acho maravilhoso. É um excelente pregador, grande defensor da Igreja, grande batalhador – Deus há de premiá-lo pelos seus esforços – e o acho uma pessoa boa, um homem de bom coração, mas não é um filósofo, não tem capacidade para lidar com isso. Quem precisa de uma certeza imediata e já vai direto no dogma da Igreja - lidando com cada sentença como se fosse uma conclusão e não uma etapa de uma investigação dialética - não vai entender nada; só vai entender se está ou não de acordo com a doutrina – e se não estiver se afastará disso. Sem dúvida, isso é uma atividade importante, mas se você não quer arriscar a sua mente, você não pode estudar filosofia. Pergunte ao padre o que é certo e errado, ele lhe responde e você segue.

Só que, procurando na patrística grega e latina, você encontrará uma infinidade de erros! E às vezes prosseguiram nesses erros por séculos, até que um Concílio ou um Papa fecharam a questão. Lendo só a doutrina final você terá um conjunto organizado das certezas que constituem a doutrina da Igreja, mas não entenderá qual é o problema e provavelmente não entenderá de quê a Igreja está falando. Ou seja, você terá um conhecimento suficiente para a sua prática religiosa, mas será uma coisa meramente pessoal. Se você quiser que isso tenha uma relevância cultural maior, será necessário passar por todas as etapas de dúvida, perplexidade etc., que é o que eu sempre me permiti fazer, porque esta é a minha vocação e eu gosto disso. Se o sujeito levanta um problema e me traz a solução final expressa em uma linguagem dogmática, eu não me conformo com isso, porque a linguagem dogmática não te explica nada. [1:50] É como usar uma calculadora: ela pode te dar o resultado certo, mas você não sabe fazer a conta; você obtém o resultado certo mas não aprendeu matemática. Se você quer só a doutrina da Igreja, você quer o resultado da conta; assim você não vai aprender matemática, meu filho!

O que o Orlando Fedelli fez? Ele aprendeu de cor todos os resultados certos e os repete – e alguém tem de fazer isso, é altamente meritório e precisa ser muito inteligente para fazê-lo. Por exemplo, quando ele vai lidar com René Guénon, o quê ele pode dizer? Pode condenar Guénon, chamá-lo de gnóstico maldito, dizer para as pessoas fugirem disso. Mas se ele não consegue dizer nada de substantivo é porque ele não compreende o que René Guénon está fazendo. Eu só conheço um sujeito em todo o universo que levantou uma objeção fundamental contra toda a doutrina do Guénon: eu mesmo! Levantei umas duas ou três das quais não há escapatória. Isso é falso mesmo, não tem jeito! Ele pode levantar do túmulo e discutir comigo que eu direi: aqui, não é que você errou, você está com treta! Eu tenho certeza absoluta disso, pois é facilmente demonstrável. Isso quer dizer que eu estou eternamente vacinado contra René Guénon. Posso aproveitar tudo de bom que ele tem, sem me contaminar pelo resto. Ou seja, o que eu aprendi dele me fortalece e aquela parte que pode ser perigosa, danosa, já está sob controle.

O Orlando Fedelli pode fazer isso? Não, não pode. Só o que ele pode é dizer: fujam! Porque o Guénon é um adversário perigoso e forte demais para ele, então ele mantém distância: “Isso é gnóstico, fujam disso!”. Mas eu não sou um amador, sou um profissional. Eu posso entrar dentro da toca do leão, mexer e saber o que estou fazendo. Eu estudei para isso. Não quero saber se o sujeito está certo ou errado – claro que no fim eu quero saber -, mas, ainda que seja um erro monstruoso, o que eu quero saber é como ele foi construído e qual a possibilidade de que o mesmo aconteça a mim ou a qualquer outra pessoa que se meta lá. Ou seja, qual é o fundamento, qual é a raiz que esse erro tem, na verdade? Discutir com o René Guénon não é coisa para criança, é coisa para um profissional – e eu sou um profissional neste campo e o Fedelli não é. Então, é este o problema.

Não estou zangado com o Fedelli, de maneira alguma. Ele pode achar que eu sou um gnóstico que está tudo bem, legal, o médico mandou não contrariar. Não vamos brigar por causa disso. Mas eu sei o seguinte: ele não está entendendo absolutamente nada e por isso o melhor seria ficar quieto num canto. Ao menos o Fedelli ainda tem a desculpa de fazer isso para defender a sua fé, mas e esse pessoal da USP que o faz para defender socialismo, defender porcaria ou a sua própria vaidade? Esses não têm desculpa, não, esses têm de apanhar!"

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Eu adorei isso

O Elton Mesquita fez uma série de vídeos que eu achei genial.
São 9 no total (9 até hoje, né) e a nonalogia se chama "Não Tenhais Medo".
Segue abaixo - não perca, se vc tem bom gosto desenvolvido e gosta de coisas criativas e originais.
:)












quarta-feira, 10 de maio de 2017

Elton

Um Samba Sério
(Elton/Sampaio)

Tudo é motivo prum samba
Tudo implora do samba o cantar
Tudo descamba no samba, como o rio deságua no mar
Eu também sou tributário e no samba vou me derramar
Se o mar não recusa o rio, porque é que o samba há de recusar?
Tudo é motivo prum samba, como vamos demonstrar
A vadiagem sadia, sumir no mundo pelos 4 dias
E no raiar da 4a-feira, não esquecer a saideira
Pra esquecer a moça que passa sambando no cordão
Que sumiu sem um aviso, um aceno, um aperto de mão
Tudo é motivo prum samba, deixe papel e lápis sempre à mão (2x)
Pobreza, mote perene, motivo recorrente dessa massa falida
Mas já deu tanto samba solene que quase dá vontade de ser pobre toda vida
O chope com os amigos, poucos bons e antigos
As chegadas e partidas, reencontros, despedidas
Tudo é motivo prum samba, as carícias e as feridas
O samba aceita todo mundo, fanho, gago, doutor, vagabundo
O predreiro, o engenheiro e o arquiteto, os melhores sambas são de analfabeto
O samba não quer nem saber se você presta ou não presta
O samba não vê distinção entre o velório e a festa
Tudo é motivo prum samba, só o samba é o que me resta (2x)




sábado, 21 de janeiro de 2017

Dilma e o crime - versão II


As "pedaladas" são crime?


1 - Segundo a Constituição, se um Presidente da República cometer um crime de responsabilidade ele poderá sofrer um impeachment.

2  - Existem diferentes tipos de crime de responsabilidade, como a operação de crédito ilegal. 

3 - Uma operação de crédito ilegal acontece quando o Governo efetua operação de crédito com bancos públicos.

Portanto, um Presidente comete crime de responsabilidade, podendo sofrer um impeachment, quando permite que seu governo efetue uma operação de crédito ilegal, ou seja, uma operação de crédito com banco público.


Dilma efetuou operação de crédito com banco público? 

Existem acordos entre os bancos públicos e o Governo que definem que o pagamento de benefícios estatais (por exemplo, as aposentadorias, pensões etc.) à população deve ser efetuado pela rede bancária, com o uso inicialmente de recursos financeiros pertencentes aos bancos, mediante a garantia de que o Governo repassará às instituições bancárias os valores gastos com os benefícios distribuídos aos beneficiários. O simples repasse desse dinheiro pelo Governo para pagar os bancos, quando no prazo adequado, é uma operação financeira mas não necessariamente uma operação de crédito, pois não representa uma forma de empréstimo do banco público para o Governo, visto que é esperado que o pagamento ocorra pouco tempo depois da distribuição do dinheiro dos benefícios à população.

Pedaladas acontecem quando os bancos públicos distribuem ao povo os benefícios do Governo, com o uso dos próprios recursos financeiros, na expectativa de que o Governo faça logo o repasse, mas o pagamento é atrasado, deixando o banco no prejuízo por um bom tempo. Neste caso, dependendo do valor e do tempo decorrido, o atraso no pagamento pode ser considerado uma forma de empréstimo a juros e portanto uma operação de crédito (lembrando que quando um Presidente permite que o seu governo efetue operações de crédito com bancos públicos ele incorre em crime de responsabilidade).


As pedaladas são operações de crédito?

Pensando por uma situação hipotética: 

Um certo dia eu resolvo lhe pedir uma quantia de dinheiro emprestada, para lhe pagar depois de um tempo. Considere 2 situações:

1 - A quantia emprestada foi de 20 reais e eu lhe paguei depois um mês. Você me cobraria juros? O provável é que não, visto que o valor é pequeno e os juros, irrisórios. Isso não deve ser considerado uma operação de crédito pois os juros que você perde ao ficar sem os 20 reais por um mês não são significantes a ponto de você se sentir lesado e querer cobrar a remuneração desse dinheiro.

2 - A quantia emprestada é de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e eu lhe pago em 12 meses. Você iria querer me cobrar juros por ficar esse tempo todo sem esses quinhentos mil? Provavelmente sim, pois esse dinheiro poderia render bastante se fosse investido durante um ano e eu estaria lucrando bastante às suas custas se aplicasse esses valores ao invés de lhe pagar. Você não iria considerar que isso foi uma operação de crédito, ou seja, que você merece uma remuneração em forma de juros por ter ficado sem essa quantia por tanto tempo? Se você resolvesse mover um processo para me cobrar ressarcimento pela demora no pagamento, será que o juiz da causa lhe daria razão e me obrigaria a pagar os juros do valor emprestado por um ano ou daria razão a mim e me isentaria do pagamento dos juros? 

A situação 2 é uma analogia às pedaladas, onde vemos um atraso de pagamento de uma quantia significativa por um tempo significativo a ponto que se considerar que o pagamento de juros seria devido. Considerando que na situação 2 deveria haver o pagamento dos juros, diremos também que os bancos públicos mereceriam receber o pagamento dos juros em decorrência dos atrasos de pagamento das pedaladas, o que configura uma operação de crédito e, tratando-se de banco público e Governo, uma operação de crédito ilegal e, portanto, crime de responsabilidade.
Se você responde à pergunta do item 2 com um sim, você deve considerar que Dilma cometeu crime de responsabilidade.

Obs.:
A situação 1 representa as pedaladas de Lula e FHC, que têm sido descritas como fluxos de caixa, visto que são de menor monta e por isso não configuram operação de crédito.
A situação 2 representa as pedaladas de Dilma.


***

Ao final do processo, a perícia do Senado declarou que não havia sido identificada nenhuma atuação de Dilma no sentido de ordenar as pedaladas. Isso foi utilizado como argumento nos blogs comprados e mídia esquerdista em geral para alegar que Dilma não teria pedalado, mas isso não passa de malabarismo intelectual e manobra para ludibriar a militância, pois atrasos de pagamento não exigem ação. Para atrasar basta não pagar, ou seja, não fazer nada. De todo modo, uma atuação possível seria uma ordem para não efetuar o pagamento. A perícia declarou que essa ordem não foi identificada mas de qualquer forma isso não significa nada. Esse tipo de orientação para não pagar pode ocorrer em um almoço, em um recinto fechado e sem escuta, no banquinho de uma praça, onde for possível. O fato de uma ação não ter sido identificada não é prova de que ela não aconteceu, o que não inocenta Dilma de nada - até porque o crime é de responsabilidade. Ela era responsável por verificar se os pagamentos ocorriam e, se não ocorreram, é ela que responde por isso, na qualidade de gestora do sistema. Enfim, não há desculpa. O Senado concluiu que houve crime de responsabilidade e não foi um veredicto que se possa dizer incorreto.

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